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Traumas geracionais

escrito por: Anónimo

17/01/2022

Tenho 27 anos e sou filha de um (não) pai, que optou nunca fazer parte da minha vida. A minha mãe educou-me como mãe solteira até aos meus 20 anos. As discussões entre nós duas eram constantes. Por tudo, por nada. Sempre achei, por mais que isso me afligisse, que era uma circunstância relativamente normal, que fazia parte do crescimento e da fase de adolescência – a mítica fase de vida que torna tudo mais difícil em termos de comunicação -, mesmo eu não me sentindo compreendida na maioria das vezes.

Até há cerca de 2 ou 3 anos, sempre disse, veementemente, que nunca iria querer filhos. Que as crianças me deixavam desconfortável, que eu não tinha paciência e que não sabia como lidar com elas. Naturalmente que isso sem gerou reações menos positivas e que ouvi imenso “Isso é agora…! Quando fores mais velha vais querer.”.

Eu podia nunca ter mudado de ideias, na verdade. Não há nada de errado com não querer ter filhos e só nós é que sabemos aquilo que sentimos e queremos para nós. Mas, no meu caso, em que mudei de ideias, não foi uma decisão que se deu da noite para o dia e apenas ‘porque sim’. De facto, anos depois de sair de casa da minha mãe, apenas em terapia consegui perceber que a educação que tive não foi normal. 

Dentro das capacidades da minha mãe tive sempre teto, comida e roupa, mas faltou tanto em termos de carinho, respeito, acolhimento e amor… Da parte do meu pai, herdei abandono e desprezo.

Como é que eu podia querer filhos, se nem sabia bem como era ser amada pelos meus próprios pais?

Desconstruir as crenças que vamos enraizando em nós por força da educação que tivemos e do que absorvemos como realidades imutáveis que nos são passadas pelos nossos pais é um processo incrível. Tem tudo de triste (muitas lágrimas envolvidas), de libertador e de empoderador. 

Hoje compreendo tudo o que passei na infância e tento perceber a origem das minhas próprias decisões e atitudes diariamente. Por isso, na minha situação em concreto, sei que não querer ser mãe esteve sempre preso a não querer passar a um(a) filho(a) aquilo que eu experienciei na minha infância e adolescência. 

Neste momento, enquanto mulher adulta numa relação estável e em pré-conceção, o meu medo é se saberei amar o(a) meu(minha) filho(a) tanto quanto merece. Em simultâneo, todos os dias acordo com a certeza que já estou a fazer o trabalho para que os meus traumas geracionais acabem comigo. Portanto, quando ele(a) vier, sei que o(a) amarei com todas as minhas forças e que ele(a) nunca saberá o que é a sensação de desamparo e de não pertença que trago comigo desde que me lembro.

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