Na noite de Natal, a minha família dividia-se em duas mesas: a dos adultos e a das crianças. Continuei a pertencer à segunda mesmo já bebendo vinho ao jantar. Havia este entendimento tácito de que só passaríamos a ser adultos quando a nossa prole nos substituísse.
Ao longo dos anos, fui imaginando como seria passar para a mesa do lado e ver os meus futuros, imaginários filhos, felizes, com os primos, na noite mais especial do ano. Na minha imaginação, os meus filhos cresceriam rodeados de uma família enorme e viveríamos todos na mesma cidade, pertinho como sempre estivemos. Na minha imaginação, nunca couberam despedidas e reencontros de aeroporto, videochamadas diárias para aquecer o coração de avós, tios e primos, e muito menos confinamentos forçados e partos solitários.
Mas a vida trocou-me as voltas. Depois de quase seis anos de uma aventura incrível em NYC, decidimos que estávamos prontos para embarcar na loucura da “mapaternidade”. Em menos de dois anos, e no meio da pandemia mundial do século, sozinhos em Manhattan, tivemos, inesperadamente, dois filhos. A família, de longe, estendeu-nos a mão como pôde. No dia-a-dia, arregaçámos nós as mangas, demos as mãos e respondemos às necessidades dos bebés o melhor possível. Mas os dois primeiros Natais como pais foram passados longe. Não houve mesa das crianças, não houve mesa de doces nem gritaria de presentes à meia-noite. Não houve os abraços de que nós precisávamos.
“It takes a village to raise a child”, mas a nossa aldeia estava do outro lado do oceano. E esta ideia custou-me a aceitar, mas a nossa aldeia éramos nós. E eventualmente o infantário onde inscrevemos a Camila aos 10 meses e para onde irá o Lucas com apenas seis, já este Setembro.
Confesso que em muitos momentos, a tarefa de criar os nossos filhos longe da família, me parece absurda e impossível de concretizar. Quando tivemos o Lucas, em plena pandemia, o país estava fechado. Nenhum membro da nossa distante aldeia nos pôde ajudar. Presencialmente, pelo menos. Os nossos dias foram preenchidos com tarefas: a casa, as roupas, os bebés, o trabalho, a casa, as roupas, os bebés, o trabalho. E as noites mal dormidas. Assim foram passando as semanas, os meses. Às vezes assustadoramente rápido. Às vezes desesperadamente devagar.
Quando chegou o Verão e finalmente pudemos embarcar naquele avião para Portugal, vínhamos exaustos. Mas, caraças! Vínhamos orgulhosos. Chegámos com um bebé rechonchudo, bem alimentado e feliz e uma menina, cada vez menos bebé, traquina, esperta e faladora. E nós vínhamos de mãos dadas, literal e figurativamente. Tínhamos chegado à nossa aldeia e toda a ajuda seria muito bem vinda.
Mas mais do que tudo, eram bem vindos os abraços. Assim que cheguei percebi que o único peso que tinha no peito era a falta que eles me faziam.
O quentinho do brilho nos olhos de quem mata saudades. O amor dos avós. As lágrimas marotas.