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contraturas

escrito por: Anónimo

31/03/2022

Sou fragmentos espalhados que tenta chegar a vários lados. Aqueles milhares de papéis que me explodem entre as omoplatas, mas digo “ai, devo ter p’raqui uma contratura”, fingindo não saber que a tensão é a responsabilidade de todos nós, enquanto sociedade que esmaga mulheres, e mais ainda quando somos mães. Contudo, os milhares de papéis não se cumprem sozinhos, então tranco em mim o peso, a frustração e a tristeza. Quando transborda “vou só ali à casa de banho 5min”, mas uso-a como portal canalizador das lágrimas que tranco em mim. De que me valeria partilhar a minha vida, os meus pesos, se o chicote em forma de línguas entorpecidas pela antipatia normalizada me iria multiplicar este sentir? Um colo. Que saudades que tenho de um colo, de um abraço que me segura os pesos do mundo em mim. Nem tenho memória da sensação. A culpa não é dos filhos: queridas almas que me ensinam tanto todos os dias e me fazem transbordar em amor. A culpa é de termos compactado a vida em caixinhas que cabem na mão, enquanto corremos a um ritmo frenético que nos mantém numa apneia constante. Congela o sentir. Congela o viver. Congela o pensar e questionar. Quantas mulheres como eu, não se isolam para chorar? Quantas mulheres não se sentem presas por demasiadas exigências para um só corpo? Exigências de muitos, que levariam dias, compactadas num corpo, para serem executadas em 24h. Estou cansada. Exausta. Mas este cansaço não surge por ser mãe. Surge porque não me deixam ser mãe, e ser eu. É exigido que sejamos muitas coisas mais, antes de sermos mães e antes de sermos nós próprias. Acredito que um dia nos encontraremos todas no portal das lágrimas, e que as nossas lágrimas formem um mar tão denso e revolto, que mais do que dores, se irá manifestar num canal onde iremos erguer pontes. E nessas pontes, fruto de raivas, frustrações e dores, juntas iremos dar as mãos e com elas (as nossas mãos), contruiremos um mundo que nos VÊ e nos dá colo. Até lá, enxugo as lágrimas e guardo os sentimentos num ecrã touchscreen, na esperança que “as contraturas” suavizem na minha alma.

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