Até ser mãe, a minha realidade estava bem definida, preto no branco, pão-pão queijo-queijo: adoro ler e odeio falar ao telemóvel, aprecio pequenos-almoços na cama e dispenso noitadas de festa com pessoas inebriadas. Repito: até ser mãe.
Na maternidade, até uma muda de fralda fedorenta pode tornar-se num momento doce de conexão e um almoço em família divertido pode descambar muito rapidamente. Nada é garantido, não há nada que se odeie na totalidade ou ame sem rodeios. Todos os momentos vêm com uma dose de ambiguidade que nunca tinha experimentado antes, nem mesmo no pico da puberdade em que sentia tudo ou nada, 8 ou 80.
Ontem à noite, olhava as duas, sentadas lado a lado, na nossa cama, sorridentes e atentas à minha performance digna de um Óscar do monstro da “Balbúrdia”, da Teresa Cortez.
Num segundo senti-me inundada por um amor luminoso e um orgulho que nos agiganta a vida para no seguinte estar a um centímetro de explodir de frustração e mandar a toalha ao chão. O cenário ternurento deu lugar às mãos da mais nova entrelaçadas nos cabelos da mais velha que lhe cravava as unhas na carne tenra do braço e um grito que eu tentava engolir enquanto as separava pela centésima vez naquele fim de dia. «Já chega!»
Aceitar esta dualidade constante, livrar-me da culpa em assumir o lado negro e viver com mais leveza o lado cor-de-rosa tem sido uma jornada tanto cansativa como recompensadora. E assim a balança se vai mantendo neste equilíbrio frágil… uma torre de blocos a uma bola de canhão de ruir, um castelo de cartas a um sopro de desmoronar, um elefante que dança numa teia de aranha, enquanto o público sustém a respiração e espera que o acrobata se lance no ar e agarre o trapézio, ao mesmo tempo que secretamente torce para que caia estendido na rede (ou no chão).
Ser mãe é do mais lindo e fodido que já fiz na vida, e não há outra expressão que abarque esta realidade de forma mais completa que o da ambiguidade materna.