Deito-me no chão da sala. Fecho os olhos por uns segundos. Escuridão. Silêncio.
Sou acordada por um salto de 4 anos para o meu peito. Um mergulho no absoluto.
4 anos de carne, ossos, cartilagem, tendões e órgãos. Um metro de vida, medido numa parede. Um corpo que me invadiu, não só a mim mas à minha vida por inteiro. Intrometido.
Um corpo que na linha etérea do tempo já me coube nas entranhas. Um corpo que foi uma espécie de extensão do meu. Dentro de mim, eu matriosca, um corpo que viveu do meu. Aglomerado humano. Biliões de células encaixadas na perfeição. Máquina exímia.
Um corpo que saiu do meu, arrancado, puxado e cujo choro ecoou no meu interior antes de conhecer o mundo. Um corpo que me foi entregue e posto ao peito, ao peito para onde agora salta. Nessa altura pesavas mais ou era eu que não aguentava o peso que simbolizavas?
Um corpo em tanta coisa espelho e em tantas outras estranho. Um corpo que me invadiu vezes e vezes sem conta. Um corpo que se moldou aos meus braços ou terá sido o contrário? Um corpo que adivinho, prevejo, calculo.
Um corpo que meço, sinto e decoro. Um corpo que reconhece o meu corpo como seu. Constante, sustento, suporte. Sem espaço que os divida. Em cima, debaixo, lado a lado. Um corpo que fez do meu corpo percorrível, habitável, entrelaçável e violável.
Um corpo que me puxa, agarra, belisca, esmurra, apalpa. Abraça, toca, acaricia. Que fez de mim escada, escorrega, balança, trapézio. Que eu carrego, embalo, acalmo. Lavo, alimento, visto e afago. Um corpo que existe tão perto de mim, sem limites, sem pudor. Um corpo que vê no meu corpo uma casa sua, um pertence, uma máscara. Que me procura, alcança e encurrala.
Um corpo que fez do meu corpo muito mais que um corpo. Um corpo que excede no meu corpo todas fronteiras. Um milagre, um amor.
Abro os olhos. O peso, a forma e o cheiro. Em cima de mim. Pudéssemos nós fundir-nos. Não é isso que temos tentado? Hoje como sempre, antes de sermos dois, desde que éramos um.
O teu corpo é feito do meu, o meu corpo é feito do teu. Juntos, o nosso peso é o peso do infinito. O meu corpo é teu. Microquimerismo mágico.