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Mulher

escrito por: Joana von Bonhorst

07/06/2021

Já toda a gente deve ter ouvido aquela frase da Simone de Beauvoir (que, desculpem-me, nunca li e talvez isso explique tudo) que diz qualquer coisa como «não se nasce mulher, torna-se mulher». Claro que esta frase é bem mais profunda que o sentido que lhe dou pessoalmente mas é talvez para mim, a mnemónica de salvamento em muitos dias.

Tenho quase 30 anos mas sou aquela tipa a quem o mundo trata por «tu» e por «menina». Seja num café, num consultório ou no cabeleireiro. Não é aquela onda de proximidade entre pessoas da mesma idade. Pessoas com 50/60 anos tratam-me por tu. Como quando era adolescente.

Não sei se isto começa em mim – e por favor: «isso é óptimo amiga, é sinal que pareces mais nova» não funciona!! – ou no que os outros vêem em mim. Não sei se é por ser baixa, ter olhos grandes ou se é pela forma como me visto. Sinto que as pessoas não me vêem como mulher, como adulta. Tenho 30 anos e um filho, porra.

Desde que me tornei mãe esta é uma das minhas maiores inseguranças. Lembro-me de entrar pela primeira vez na creche do meu filho e comparar-me com todas as outras mães – todas com «ar de mãe», compostas, bem vestidas e com ar responsável. Todas apressadas para o trabalho, todas super naturais na forma como lidavam com os filhos, todas adultas. E eu ali, de calças de ganga e ténis fora do comum, lenço colorido ao pescoço e marcas de acne na cara.

O fenómeno é uma pescadinha de rabo na boca: há qualquer coisa em mim que acha que nunca sei bem o que estou a fazer e que, apesar de me vestir sempre de preto, a minha insegurança é transparente e típica de miúda. Quanto mais me tratam como miúda, mais me sinto insegura, quanto mais insegura, mais me sinto miúda.

Olho para as minhas fotografias com um recém-nascido nas mãos e não consigo ver-me mulher. Vejo uma miúda, assustada, com o mundo ao colo e a sentir o peso da responsabilidade.

A verdade é que posso dizer orgulhosamente que falhei pouco, tenho um filho incrível e sou super responsável. Mas quando é que me vou sentir mulher, adulta? Como é que isto acontece? Porque raio? Quando é que me vão ver como tal?

Cada vez que me sinto mais dentro da cena adulta (porque domei por completo a arte de mudar de casa, porque tenho uma casa minha e um carro, uma rotina, uma empresa e todas as merdas que isso envolve), entro numa farmácia – ou mais recentemente num centro de testagem para covid – e alguém decide tratar-me por tu num misto de infantilização e carinho. «Senta-te aí» – diz-me uma mulher com idade para ser minha mãe. E pumba, auto-análise. Já cortei o cabelo, já deixei crescer. Já me maquilhei e já desisti. Já mudei de roupa, de perfume,…

É claro que este é o menor dos meus problemas mas estranhamente, condiciona a minha confiança a tomar decisões e a expressar-me. Sinto sempre que «os outros» não me levam a sério e eu nem sou uma gaja brincalhona (pelo contrário). Sobretudo quando me tornei mãe e havia uma espécie de nuvem de dúvida à volta de tudo o que fazia. Mas cumpri sempre, segui sempre a minha intuição portanto seria de esperar que a coisa estivesse estabelecida. Sinto e senti muitas vezes que as minhas preocupações ou decisões não eram levadas a sério porque.. Sou uma miúda mas, caramba! Não sou.

Será que preciso de ler Simone de Beauvoir para saber como é que alguém se torna mulher? Será que algum dia vou pertencer ao clube?

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