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O tabu da perda gestacional ainda existe

escrito por: Alexandra Simões

19/07/2021

O tabu da perda gestacional ainda existe. Por mais que seja um tema comum na “bolha” de quem já passou por ele e até está disponível para falar deste doloroso tema, a grande realidade ainda é a de esconder e abafar. Acredito que, em parte, isso ainda acontece porque não se revelam gravidezes no primeiro trimestre.

“Não contes enquanto não tens a certeza que está tudo bem.” “Não contes já que pode dar azar.” “Se contares a alguém, que seja a quem queiras que esteja lá para ti no caso de acontecer alguma coisa.” E nisto, carregamos o medo às costas. Vivemos na sombra do que pode acontecer de mau, não aproveitamos a maravilha que é ter uma vida a começar a funcionar dentro de nós. Quase como se a gravidez só começasse de facto a acontecer depois das 12/13 semanas.

Depois de passar pela minha perda, a minha opinião quanto a isto mudou várias vezes. Primeiro, pensei que de facto o melhor era só contar quando tivesse uma ecografia que mostrasse um bebé perfeito. Depois achei que devia de contar a toda a gente, porque temos mesmo que mudar esta mentalidade. E depois engravidei. Nem sequer quis dizer a ninguém que estávamos em pré-conceção ativa. E quando confirmei a gravidez, guardámos também esta notícia em casal uma ou duas semanas. Depois fomos abrindo o círculo. À família próxima, aos amigos mais chegados, a quem sentíamos que ia ficar feliz por partilharmos esta notícia, a quem era bom recorrer para partilhar as ansiedades.

E só muito depois disso acabei por partilhar “em público” a gravidez deste bebé arco-íris. Agora, que o primeiro trimestre já lá vai. Agora, que atravessei os cacos que ainda tinham ficado da perda. Agora, que já tenho uma ecografia a mostrar um bebé perfeito. Agora, que já me disseram que está tudo bem e eu respirei de alívio. E não consigo deixar de pensar que continuei a perpetuar o tabu do aborto. A “regra” de esconder o primeiro trimestre. Não consigo deixar de sentir uma certa culpa porque podia ter feito diferente desta vez mas não fui capaz. Era demasiado assustador.

Que um dia, alguém tenha a coragem de fazer diferente. Que um dia destes possamos celebrar as gravidezes desde o primeiro trimestre.

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