Estou sentada nos degraus de casa, estava preparada para sair. Acabei de receber fotografias do meu filho na escola, abraçado a um dos seus amigos, ambos sentados num tronco de uma árvore.
Comovi-me.
Felizmente já se fala sobre todos os lados da maternidade, de se ser mãe e do processo que nos sai do pêlo. Talvez falte falar mais, abertamente, sobre um ou outro lado. Ou talvez só mais perspectivas.
Mas disto ninguém me falou.
O tempo passou. O bebé cresceu. O seu mundo foi esticando e a independência, como um elástico, vai expandindo. O elo entre nós é constante e isso permitiu que ele fosse, confiante, fazendo as suas conquistas. Caminhando em frente e, cada vez menos frequentemente, a olhar sobre o ombro com a certeza de que eu lá estarei. Sabe, agora, que tem sempre o meu abraço no regresso. Outros espaços, outros sítios, outros colos, outras vozes, outras mãos que ele agarra e que o amparam. Eu já não sou o mundo dele. Ele tem o seu próprio mundo do qual eu faço parte.
O meu filho existe, agora, para além de mim. Para além da nossa casa. Da nossa família. Da nossa constante protecção. Creio profundamente que foi a nossa ligação, o nosso amor e confiança, que lhe permitiram alargar o horizonte com alegria e segurança. Agora não é a ele a quem custa a separação, é a mim. Nunca me falaram disto.
Nunca me falaram do quão comovente é testemunhar que o meu filho é alguém. (Coisa doida esta de o conhecer e o saber como ninguém mas ainda não saber que pessoa será ele, quem é ele.) Do quanto cada conquista é um rebentar de orgulho enquanto o coração mirra por saber que é mais um passo de autonomia, longe do meu colo. De como é incrível observá-lo, à distância, a ser ele próprio livremente – um mistério que agora vamos decifrando em silêncio, em adoração. Do calor no peito de o ver conhecer as suas pessoas, a fazer amigos, a expressar-se e a demonstrar-lhes o seu carinho. De saber que a semente da confiança que lhe transmitimos é agora replicada e disseminada nos outros. De poder acreditar convictamente que a relação saudável que criámos com ele, permite-lhe olhar o mundo de uma forma justa e aberta.
Quando estava grávida, quando o vi recém-nascido, perguntei-me muitas vezes por onde iriam andar aquelas mãos pequeninas, onde iriam pisar aqueles pés, onde andariam as pessoas da vida dele, as desilusões e os amores. Quem seria ele, quem seriam eles, quem seríamos nós nessa altura. Nunca pedi grandes desejos, apenas que a vida fosse justa com ele – nem boa nem má, justa. Que ele, enquanto homem, fosse integro e consciente, atento a quem o rodeia. Hoje, aquela fotografia provou-me que o caminho está a começar da melhor maneira.
Agora, está tudo a acontecer à minha volta. E é tão bom. A Cláudia Lucas Chéu escrevia há dias que «não há nada mais precioso que assistir-se à travessia de alguém que se trouxe ao mundo». Desconfio que tenha razão e queira a vida que o possa fazer por muito tempo.
A mim, fica-me a tarefa de redescobrir o meu lugar, de colo mais leve e braços menos doridos. Porque também eu existo além dele. A nossa descoberta assemelha-se e segue em paralelo. Agora não ao colo, de mãos dadas.