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Querido filho

escrito por: Anónimo

24/03/2022

Embalo-te para a sesta da manhã enquanto estás na maminha, o teu porto seguro. Olho para ti e sorrio, todo tu és amor. O amor mais forte e puro que alguma vez senti. Amo-te incondicionalmente e é a ti que vou buscar todas as minhas forças. Mas o dia começou cinzento, como lá fora. Vesti-me de culpa pela manhã, depois de (mais) uma noite sem dormir. Gritei contigo porque estava cheia de sono. Foi um segundo, descontrolei-me e subi o tom. Olhaste para mim com os teus olhos do tamanho do mundo e assustado agarraste-me ainda mais os ombros. Desabei. Fundi-me em lágrimas. E agarrei-te contra mim, num abraço sentido e profundo. Pedi-te perdão. Olhaste para mim e sorriste. Senti-me perdoada. Mas a culpa, essa puta , não desapareceu.

Tenho o coração despedaçado. Não devia ter gritado, eu sei. Mas a privação do sono que nos assombra desde há uns meses está a dar cabo de mim. Sinto-me a pior mãe do Mundo. Apesar de saber que sou a melhor mãe que podes ter, filho. Mas as vozes que me cercam fazem-me duvidar. Se, ao menos, em vez de palpites tontos me dessem a mão e ajudassem nem que fosse para dormir uma hora… Sinto-me em pedaços.

Doem-me as costas de estar sempre na mesma posição, noite atrás de noite. Sei que pedes maminha à noite porque precisas de segurança e conforto. Dormes melhor que nunca com o teu pequeno nariz encaixado em mim. Mas eu não. Eu levo a noite acordada, com receio de me mexer para não te acordar. Vou dormitando aqui e ali, enquanto te sinto junto a mim e sinto a respiração do pai a descansar ao nosso lado. E depois, durante as noites solitárias, lá vem ela, de mansinho, a culpa. “Ele devia dormir no berço dele que já tem idade para isso”. “O filho de X dorme a noite inteira no berço dele, desde sempre”. Onde estaremos a errar?? Eu e o pai estamos a seguir a nossa intuição. Dormes connosco porque de cada vez que te colocamos no teu berço choras inconsolável, e isso destrói os nossos corações. Sabemos que precisas de conforto e segurança mas todos nos dizem que nunca mais vais sair da nossa cama, que estamos a criar um mimado de primeira, que vais ter problemas de socialização na escola onde nem sequer andas ainda. Todos dizem que devíamos era tirar-te a maminha. Nós não lhes ligamos, ouvimos apenas o nosso coração de pais e mantemos-te junto a nós porque nos faz sentido que assim seja. Se pedes segurança, tentamos dar-ta. Mas por mais que eu não ligue a essas vozes que querem que eu faça um desmame contra a minha vontade, o que é certo é que nas noites mais complicadas essas vozes ressoam não minha cabeça e fazem-me duvidar de tudo e mais alguma coisa.

As noites são tramadas. Mas têm um fim. Porque depois, o sol nasce e tu acordas com o teu maior sorriso, dás-me o teu maior abraço e ficamos os dois na caminha enquanto o pai já se levantou e foi trabalhar cheio de sono (e eu cheia de culpa por não conseguir que durmas para o pai deixar de ter as olheiras que tem!).

Começamos mais um dia feliz. E enquanto o céu está claro e o sol brilha eu esqueço-me da noite , da culpa e de tudo o que me assombra. Porque tudo o que me importa és tu. E é por ti que continuo , dia após dia, a tentar arranjar estratégias para bloquear as vozes que nos cercam e nada de útil nos dizem. Um dia vou conseguir filtrar, talvez. Enquanto esse dia não chega, visto e dispo o casaco da culpa. E não me venham com merdas , que a maternidade é tudo menos florzinhas e unicórnios como tentam apregoar. A maternidade real é dura e mói-nos. Mas depois tu sorris e eu penso “fazia tudo igual , novamente!”.

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