Crescer com um pai incompleto (primeiro pela distância, depois pela doença e por fim pela morte) fez nascer em mim uma necessidade incurável de ser pai. Sentia quase uma obrigação de dar a outro ser aquilo que me faltou, como se fosse um homem incompleto até ao dia em que tivesse um bebé meu nos braços.
Isso não me fez traçar ou acelerar qualquer tipo de plano até à paternidade. Pelo contrário. Fui (fomos, na verdade) empurrando a ideia com a barriga, com a justificação de que ainda não era a altura certa, de que precisávamos de uma estabilidade profissional que ainda não tínhamos e que mais cedo ou mais tarde, claro, chegaria o momento ideal. Em vez disso veio a pandemia, que nos fez dizer “que se lixe”.
Por este andar, quando é que estaria tudo alinhado?
A partir daí aconteceu tudo muito mais rápido do que aquilo que esperava. E com a gravidez em tempos de covid veio também uma violência invisível, semana após semana. Com excepção das duas primeiras ecografias, vi-me marginalizado em todos os momentos de acompanhamento da gravidez. “Só pode entrar a mãe, o pai tem de esperar lá fora.” Ouvi isto tanta vez que cheguei a sentir que este bebé que ia trazer ao mundo era mais dos médicos e enfermeiros do que meu.
As prioridades estavam correctas: em primeiro lugar vem a saúde da mãe e do bebé. O que não está certo é ostracizar um pai ao ponto de comprometer o seu bem-estar mental e emocional. Que se queimem os preconceitos de que o homem é um pilar inquebrável da família, um muro de pedra que resiste a todos os ataques – somos todos feitos de sentimentos e os do pai não valem mais nem menos. Os meus foram de abandono, ao ritmo das horas de incerteza passadas à espera de receber boas ou más notícias.
O ostracismo funcionou como um sedativo que toldou a capacidade de viver aquela fase com a alegria e o entusiasmo que mereciam. Até que a Alice nasceu. No dia do parto senti-me pela primeira vez pai. Nem tanto porque ela veio cá para fora (mais do que um amor arrebatador, o primeiro impacto foi “ok, ‘bora lá tentar não estragar nada”). Mas sim porque pude finalmente estar ao lado da Maria, dentro de um hospital, durante mais de 16 horas seguidas – uma batalha vencida na era covid.
Continuei (e continuo) a sofrer o bullying pandémico ocasional de levar com a porta na cara em algumas consultas, com a justificação e insensibilidade do costume. Nada comparável, ainda assim, com o sofrimento causado pelas minhas próprias expectativas. Na ânsia de amar e ser amado, dei por mim a desesperar com uma bebé que chorava inconsolavelmente assim que pousava nos meus braços. Antes ou depois, ao colo da mãe, a tranquilidade reinava. Porque é que ela não gostava de mim?
Sem resposta, sobrecarreguei com as minhas dores uma mãe a viver o seu (duríssimo) pós-parto e acima de tudo falhei por não compreender o meu lugar e as necessidades da minha filha naquelas primeiras semanas.
Agora, ao fim de sete meses, a Alice já desfez todas as dúvidas. Dia após dia, enche-me o coração com sorrisos, gargalhadas e sestas dormidas ao meu peito. Sim, continua a chorar na minha cara quando há algo que lhe falta. O tempo ensinou-me simplesmente a aceitar que não tenho o poder de corrigir tudo e que isso nada diz sobre a minha verdadeira ligação com a minha filha.
Ainda não sou o pai que sempre quis ser. Mas hoje sou pai, por inteiro.