Acaba março, não sinto aquela excitação do costume, nem com a mudança da hora. Não houve inverno, houve pandemia. Não há dias normais. Sinto que só digo banalidades, mas num dia estamos em modo “don’t look up” e no outro “winter of fire”. Um pouco por todo o mundo crianças deslocam-se milhares de quilómetros com duas mudas de roupa e um ursinho encardido. Algumas nem muda, nem ursinho, nem mesmo encardido. Umas ficam indeterminadamente em campos de refugiados, outras caminham para o desconhecido. A vida destas crianças ficou toda para trás. Como não sentir o coração apertado cada vez que alguém nos anuncia que tem a crescer um ser dentro de si? Que raio de terra é esta em que o milagre da vida passa a ser um teste à nossa capacidade de contrariarmos o mundo. O M. fez anos há um mês. Dez anos. No domingo convidámos as crianças da aldeia para celebrar a vida dele como se não houvesse tempo. Até o bolo de anos era delicioso, os bolos de anos raramente são deliciosos. Não havia meninas a fazerem pinturas, nem malabaristas. Havia uma nogueira para trepar e balões que eles encheram de água e atiraram uns aos outros. Houve sorrisos e alegria. Alguns galos na cabeça também fizeram parte do processo festa. Houve um intervalo neste nó que carrego comigo que só pensa em degelos e extinção da raça humana. Domingo foi um dia bom.
um dia bom
escrito por: Maria Veloso
01/04/2022
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Anónimo
31/03/2022
Quando transborda “vou só ali à casa de banho 5min”, mas uso-a como portal canalizador das lágrimas que tranco em mim. De que me valeria partilhar a minha vida, os meus pesos, se o chicote em forma de línguas entorpecidas pela antipatia normalizada me iria multiplicar este sentir? Um colo.