Skip to content

Um dia normal

escrito por: Marta Cruz Lemos

03/04/2022

7h30 da manhã, acordo com o chorinho habitual. Pego no telemóvel, olho para a câmara, lá está o ele de olho aberto, à espera. “Deixa-o estar um pouco”, relaxo, o som intensifica, olho de novo, já está sentado, e agora de joelhos, a agarrar-se às grades, o volume a subir, lá tem de ser. “Pai, vai lá..”, e lá vai ele, meio a dormir, traz o bebé para a cama, bracinhos a abanar, feliz como só ele, para a mamada da manhã, a nossa favorita. Barriga cheia, senta entre nós, brinca com a caixinha de tralhas que já tenho a postos na mesa de cabeceira, canta, pede abraços, dá beijinhos. Aguenta uns 20 minutos até termos de nos levantar à pressa, que o senhor quer explorar e não quer ir sozinho. Troca fralda, troca roupa, vai brincar. Vem ter connosco à cozinha, no seu gatinhar ainda incerto, meio torto, muito fofo, já percebeu que é para tomar o pequeno almoço, começa o guincho, a exigir. Põe na cadeira, perna ficou presa, calma bebé, solta a perna, coloca babete, calma bebé, já vai, já vai. 5 minutos de calma enquanto come os seus morangos. Guincha enquanto é limpo, tira da cadeira, vai à tua vida. Vai à comida do gato, revira brinquedos, come terra das plantas, faz ginástica, agarra-me as pernas, já tem cocó, muda fralda, calma bebé, pé no cocó, limpa, limpa, limpa, pomada no rabo. Coça o olho, mão na orelha, o sono chegou, hora da sesta. Ufa! Corre, é o teu tempo, acaba o café frio, faz a cama, veste-te, tenta organizar a roupa, a casa, o dia, ups, já acordou. Mais maminha e tudo de novo, que metade do dia voou. É preciso tratar do almoço, mas existe um bebé, e está a resmungar, fica no colo, lembro-me que ouvi “nunca ter o bebé junto ao fogão”, comento com o pai, rimos os dois, ele também por imitação, não percebeu a piada. Comemos os três, há risos, há gritos, comida na mão, no cabelo, no chão. Limpa a sujeira, o tabuleiro, a cadeira, a roupa, o bebé, quem inventou o BLW não tinha de limpar de certeza. É o turno do pai, tento trabalhar um pouco, com os sons da brincadeira em fundo, divido o tempo entre a secretária e o fogão onde adianto papas e mini pratos para o rei da casa. Tento focar, organizar a ementa, a agenda, as contas, as ideias, a cabeça, a vida. Não tenho tempo, chega um macaquinho ao escritório, mais maminha, mais colinho, mais beijinho, ao menos não queimei as papas. Nova sesta, e de repente a sós com o pai, que saudades, na mesma casa e mal nos cruzámos, “estás bem?”. Bebé acorda e não fiz nada, e volta o baile, mama, mimo, cocó, foge despido, vai à varanda, revira as gavetas, parla, dança, lancha, lambe o chão, pede um livro, pede outro, e outro, já vamos em 5, até fiquei rouca. E já são 19h, hoje nem fomos passear, desculpa, hora do banho, luz baixa, som do mar, mama, mimo, adormeceu. Será que vai acordar esta noite? Até amanhã, querido bebé.

outras entradas no diário

Amor em letras (i)números

Margarida Carrilho
04/04/2022
Mas nos dias em que penso muito o que mais penso é no peso desta dança descompassada Mas que é bela, tão bonita É mar profundo e escuro

um dia bom

Maria Veloso
01/04/2022
Acaba março, não sinto aquela excitação do costume, nem com a mudança da hora. Não houve inverno, houve pandemia. Não há dias normais.

contraturas

Anónimo
31/03/2022
Quando transborda “vou só ali à casa de banho 5min”, mas uso-a como portal canalizador das lágrimas que tranco em mim. De que me valeria partilhar a minha vida, os meus pesos, se o chicote em forma de línguas entorpecidas pela antipatia normalizada me iria multiplicar este sentir? Um colo.